A defesa dos 17 activistas condenados até oito anos e meio de prisão reclamou junto do presidente do Tribunal Supremo contra o indeferimento, pela primeira instância do ‘habeas corpus’, interposto a 1 de Abril, pedindo a libertação.
Ainformação foi avançada hoje à Lusa pelo advogado de defesa David Mendes e surge depois de o tribunal de Luanda – que recebeu o pedido conforme decorre da tramitação processual angolana – ter rejeitado o ‘habeas corpus’ na semana passada, alegando não ter competência para decidir sobre o mesmo.
“O juiz da primeira instância indeferiu o pedido, quando não tinha competência para o fazer. Porque o ‘habeas corpus’ é dirigido ao juiz presidente e não ao juiz da causa”, explicou o advogado. Pois. Mas isso é a interpretação da lei e não o cumprimento canina das ordens recebidas.
Em causa está um pedido que visa permitir que os activistas aguardem a decisão sobre os recursos das condenações, que ainda pode demorar dois anos, fora da cadeia, já que no mesmo dia em que foi conhecido o acórdão, a 28 de Março, começaram a cumprir pena.
“Na argumentação, o juiz diz que não é competente para decidir. Então, não devia indeferir e sim enviar para o órgão competente, como era previsto”, criticou ainda David Mendes. O advogado dos activistas julga que, de facto e de jure, Angola é um Estado de Direito. Mas não é. É uma espécie de estado feudal onde a lei existe apenas para o que interessa, mormente para feitos de propaganda.
Face a esta decisão, a defesa apresentou uma reclamação para o juiz presidente do Tribunal Supremo, solicitando que “mande subir” o recurso interposto e indeferido pelo tribunal de Luanda, cuja decisão pode ser conhecida na terça-feira.
Este recurso de ‘habeas corpus’ por “prisão ilegal” deu entrada a 1 de Abril na 14.ª Secção do Tribunal Provincial de Luanda, no Benfica, que o deveria ter remetido imediatamente para apreciação do Tribunal Supremo, segundo os advogados.
“O objectivo é usar a jurisprudência existente, que diz que quando o efeito é suspensivo mantém-se a situação carcerária, particularmente as duas jovens que estavam em liberdade e os 15 que estavam em prisão domiciliária”, disse anteriormente David Mendes.
Os 17 activistas foram condenados a penas de prisão efectiva entre dois anos e três meses e oito anos e seis meses, por supostos e nunca provados actos preparatórios para uma rebelião e associação de malfeitores. Antes até foram acusados de tentativa de golpe de Estado. Amanhã talvez venham ainda a ser acusados de abrir caminho para a invasão de marcianos.
Apesar de ter admitido os recursos imediatamente interpostos pela defesa – anunciados para os tribunais Supremo e Constitucional -, alegando que se tratavam de penas de prisão maior (mais de dois anos), o juiz da causa, Januário Domingos, não suspendeu a execução da pena e no mesmo dia foram emitidos e concretizados os mandados de condução à cadeia para todos.
“O recurso ordinário [da condenação] pode levar, na nossa experiência, um ou dois anos. Então o ‘habeas corpus’ tem esse objectivo, de manter a situação carcerária anterior, já que normalmente não tem levado mais de 30 dias a decidir”, explicou David Mendes, também dirigente da associação de defesa dos direitos humanos “Mãos Livres”.
Recorde-se que o engenheiro Luaty Beirão foi condenado a uma pena total de cinco anos e meio de cadeia, enquanto o professor universitário Domingos da Cruz, autor do livro que o grupo utilizava nas suas reuniões semanais para discutir política, viu o tribunal aplicar-lhe uma condenação de oito anos e meio, por também ser o suposto líder da associação de malfeitores.
Neste processo, 15 dos activistas estiveram em prisão preventiva entre Junho e 18 de Dezembro, quando foi revista a medida de coacção pelo tribunal, passando então a prisão domiciliária.
As duas jovens também julgadas e condenadas nunca chegaram a ser detidas e aguardaram o desfecho da farsa, que decorreu entre 16 de Novembro e 28 de Março, em liberdade.
Na última sessão da farsa (só no campo de etilismo em último grau se poderá chamar julgamento), o Ministério Público do regime deixou cair a acusação de actos preparatórios para um atentado ao Presidente e outros governantes, apresentando uma nova, de associação de malfeitores, sobre a qual os activistas não chegaram a apresentar defesa, um dos argumentos dos recursos.
Também para que seria necessário o recurso? Todos sabemos que neste caso, como em muitos outros, e ao contrário de países civilizados, todos são culpados até prova em contrário. Aliás, o regime em matéria de activismo político e social (veja-se o caso de Marcos Mavungo em Cabinda) determina primeiro a sentença e só depois começa o julgamento.
Folha 8 com Lusa